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Série Sustentabilidade: Prédio quebra resistência e exala conhecimento

Construção da sede do Centro Sebrae de Sustentabilidade desafia padrões, mostra conceitos na prática e se torna
Por Assessoria Sebrae/MT - Daniel Pettengil
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“Trabalhar em prol da sustentabilidade não é fácil, temos muitas barreiras a transpor, nunca desistam, persistam e com certeza teremos frutos maravilhosos deste trabalho. O mundo precisa saber deste espaço!” A frase histórica dita pelo físico suiço Fritjof Capra, um dos maiores pensadores dos tempos atuais, está imortalizada na entrada do prédio do Centro Sebrae de Sustentabilidade, em Cuiabá. Ícone da física quântica e das teorias sistêmicas sobre o planeta, Capra quis conhecer pessoalmente a edificação, ainda quando a obra dava seus primeiros passos, mais de uma década atrás.

“Recebi uma ligação na hora do almoço e logo pensei que fosse um trote ou uma ‘pegadinha'”, lembra, com bom humor, o diretor-superintendente do sistema Sebrae, José Guilherme Barbosa Ribeiro. Do outro lado da linha estava um representante de Capra no Brasil, comunicando o interesse do cientista em ver de perto o tal prédio projetado com arquitetura indígena, já muito comentado no meio da construção civil naquela época.

Reconhecido e premiado como o ‘prédio que ensina’, a sede do Centro Sebrae de Sustentabilidade sempre carregou um caráter educativo, até mesmo para quem estava envolvido diretamente na construção. Era uma cena comum ver engenheiros e arquitetos explicando aos funcionários da construtora contratada sobre o que se pretendia fazer ali, diante de um certo espanto da equipe. José Guilherme classifica como uma ‘odisséia’ o processo de tirar do papel um conceito baseado nas moradias de povos ancestrais, mas cujo tema despertava pouco ou nenhum interesse entre os projetistas.

Foto da construção do prédio com árvores nativas ao redor.

A ordem era preservar ao máximo as espécies vegetais presentes no terreno escolhido para a construção, evitando que as máquinas já chegassem ‘patrolando’ tudo o que havia pela frente. “Fizemos questão de manter em pé as árvores”, recorda-se José Guilherme, citando ainda o desvio que foi feito para preservar uma palmeira. O próprio edital para a contratação da empresa executora exigia que toda madeira usada na obra teria de ser de reaproveitamento. Nada seria derrubado da mata. “Era um projeto conceitual e inovador. Estamos em Mato Grosso, onde a cultura indígena é muito forte e tem de ser considerada. Alguém ouviu falar que construções indígenas tenham sido levadas pelo vento ou arrastadas por enchentes?”, questionou o superintendente do Sebrae de Mato Grosso ao apresentar o projeto para os líderes nacionais da instituição. Naquela época, levar adiante uma ideia ousada significava vencer o ceticismo e a resistência.

Casa indígena longe da aldeia

‘Você vai estudar sobre casa de palha e madeira?’. O questionamento de um bem-sucedido colega de profissão só serviu para mexer ainda mais com os brios do arquiteto José Afonso Portocarrero, responsável pelo projeto arquitetônico do prédio repleto de inovação. Estudar e aplicar conceitos retirados das habitações indígenas não era uma novidade na carreira dele, mas enfrentar questionamentos e resistência sempre foi algo recorrente. O que muita gente relutava em enxergar é que a pretensa simplicidade das construções representava, na verdade, um modelo sustentável e moderno de ambientação.

“Percebi que no Sebrae a gente poderia provar que uma aldeia é capaz de exportar um desenho inteligente, interessante, contemporâneo, com a referência da tecnologia indígena, mas dentro do século 21”, explica o arquiteto e professor. Uma marca muito importante do modelo observado e apreendido da etnia bororo foi a edificação de duas camadas no pavimento superior das casas.

No prédio do CSS, a palha usada nas habitações da aldeia deu lugar ao concreto, cujo resultado na temperatura interna surpreendeu o projetista. Um estudo técnico da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) constatou que a diferença da camada externa para a interna no teto do prédio chegou a 9.7 graus centígrados. “Eu esperava algo em torno de 2 a 4 graus. Chegou quase a 10! Foi a prova dos nove de que o projeto havia dado muito certo”, exalta Portocarrero.

O interesse por utilizar os elementos arquitetônicos indígenas em construções urbanas era um projeto antigo do profissional e que tomou corpo quando Portocarrero iniciava um mestrado em História, abrindo a possibilidade de estudar as habitações usadas nas aldeias. Para adequar o projeto científico, de um grupo de 10 povos indígenas, reduziu-se para cinco e depois para apenas um objeto, justamente os Bororo. O corte triangular das casas chamava a atenção, bem como o isolamento térmico. As primeiras noções do conceito foram aplicadas por ele no projeto do campus da UFMT em Barra do Garças.

Em seguida, a sede da Associação dos Docentes da Universidade (Adufmat) usou elementos da casa xavante, que é circular e ogival. Anos mais tarde, Portocarrero foi desafiado a criar uma proposta para o Memorial Rondon, no distrito de Mimoso. Até chegar o convite do superintendente do Sebrae Mato Grosso, José Guilherme Ribeiro, para desenhar o que seria a sede do CSS. “A proposta era grande, de que o prédio transmitisse para o micro e pequeno empresário uma ideia de inovação. Eu fui audacioso, mas mais do que eu, foi o José Guilherme, que enfrentou grande resistência”, relembra o arquiteto.

Aprendizagem em cada metro quadrado

O ineditismo de uma obra desafiadora para a engenharia fez brilhar também os olhos de gente de todas as áreas profissionais. A engenheira Suenia Sousa, primeira gerente do Centro Sebrae de Sustentabilidade, ressalta que, aos poucos, o prédio foi se tornando um espaço de conhecimento. Surgia, então, a possibilidade de unir teoria e prática e transformar o local num centro de aprendizagem.

“À medida em que íamos explicando as teses de engenharia, nós fomos aprendendo a falar sobre como todos aqueles bons exemplos poderiam ser aproveitados dentro dos pequenos negócios. Percebemos que tínhamos ali uma escola de aprendizagem, através da experiência, da vivência das pessoas”, lembra Suenia, que compreende o CSS como resultado de uma ‘jornada de amadurecimento’.

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Mas para ensinar da forma mais correta, era necessário superar algumas barreiras, próprias de uma concepção nova. Segundo ela, na época em que o prédio foi construído, sequer havia normas oficiais na engenharia para reuso da água, um dos pilares básicos da sustentabilidade. Na parte de energia elétrica, o uso da iluminação natural já era, por si só, pedagógica. Ou seja, da fundação à cobertura do prédio, a edificação aliava a preocupação em contemplar o caráter ambiental com o valor social e ainda redução de custos.

Foto do processo de construção da cobertura do CSS.

Mas a grande ‘virada de chave’ para a transformação do CSS em ponto de referência veio justamente com a visita de Fritjof Capra. A vinda do físico, que já integrava uma rede de arquitetos que trabalhavam com projetos sustentáveis, deu a clarividência necessária ao Sebrae para transportar tudo ao mundo dos pequenos negócios.

Ao conseguir verbalizar o que viu com os próprios olhos, o físico mostrou que o prédio era um exemplar de construção sustentável que agrupava cultura, arquitetura, engenharia e aprendizagem empresarial. Ou seja, o que estava sendo praticado no CSS poderia ser perfeitamente replicado em uma oficina de veículos, um salão de beleza, etc. “Ele gostou tanto do projeto que voltou duas outras vezes. O posicionamento do Capra serviu como um certificado de tudo o que estávamos planejando e fazendo”, completa Suenia.

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